Não dá para calar

Compatilhar 26/02/2011 por admin Envie seu artigo! Clique aqui!

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Assédio sexual – não dá para calar!

Art. 216-A do Código Penal: Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.

A partir de maio de 2001, o assédio sexual é crime.

O natural aumento da participação feminina no espaço público deveria garantir igualdade de tratamento. Porém, ainda há reflexos no âmbito do trabalho das diferenças de papéis que persistem na sociedade, que decorrem de componente de ordem histórico-cultural: a nítida hierarquização entre o homem e a mulher.

A sacralização do conceito de família e sua feição patriarcal levavam a esposa a ser considerada como propriedade do marido. Devia a ele submissão e respeito, estando sujeita a uma verdadeira servidão sexual. Não podia opor resistência ao cumprimento do chamado “débito conjugal” nem manifestar qualquer prazer.

Com a evolução da sociedade e a vitória da revolução feminista, principalmente depois de a Constituição Federal haver consagrado a igualdade entre os sexos, passou a mulher a ter consciência de seus direitos. De outro lado, quer pelo surgimento dos métodos contraceptivos, quer pela inserção da mulher no mercado de trabalho, adquiriu ela a liberdade de escolher seus parceiros e de decidir sobre seu corpo.

Mas, como os homens ainda predominam nas chefias das empresas públicas e privadas, passaram eles a usar novas estratégias para obter favores femininos: a ameaça da demissão, de não-ascensão profissional. O chamado assédio sexual – considerado por muitos como mero galanteio – sempre levou suas vítimas a calar por medo de não ser acreditadas. Além da dificuldade de denunciar, é um fato também difícil de comprovar. É a palavra de um contra a de outro, de um homem ante uma mulher, de um superior frente a um subalterno. Duvida-se da veracidade da palavra da vítima, cuja credibilidade resta questionada. Difícil a aceitação da versão da mulher, quase valendo menos do que o depoimento do homem.

Assim, a necessidade de manter o emprego, a humilhação e o constrangimento levam as mulheres – pois elas são as grandes vítimas – a não referir o ocorrido sequer no âmbito familiar, por vergonha de contar o que aconteceu. Ademais, sempre existiu um grave preconceito de ter havido provocação por parte da vítima, acabando por se investigar o comportamento da denunciante, e não o do assediador.

Confunde-se liberdade sexual com a eliminação do direito de escolha, sem se atentar em que as mulheres, por serem livres, não são disponíveis para todos que as desejarem. Necessário que seja sepultado o conceito de honestidade feminina, vinculado exclusivamente à sua atividade sexual, e se passe a acreditar que, quando ela denuncia, é porque foi vítima de constrangimento.

A dificuldade de procurar a Justiça em muito decorria da ausência de tipificação penal desse delito, que em boa hora passou a ser definido como crime. O aumento da participação feminina no espaço público deve garantir igualdade de tratamento, nada justificando a hierarquização entre o homem e a mulher que existia no âmbito doméstico.

O assunto ainda é tabu, e as mulheres calam, calam por medo de não ser acreditadas. Calam pela necessidade de manter o emprego. A humilhação e o constrangimento as levam a não referir o ocorrido sequer no âmbito familiar, por vergonha de contar o que aconteceu.

No âmbito do serviço público, em vários Estados, estão surgindo mecanismos para evitar o assédio sexual. Basta ver que, no Rio Grande do Sul, desde 1993, sua prática é coibida por lei, havendo a Lei Complementar nº 11.487, de 2000, regulamentando sua punição na administração pública estadual.

Também as empresas privadas têm adotado políticas de orientação e prevenção, como forma de inibir comportamentos indevidos. Os departamentos de recursos humanos estão se capacitando para servir de consultores e orientadores e estimular a denúncia de fatos que podem caracterizar qualquer espécie de constrangimento ou aproximação indesejada.

A única forma de reverter essa situação está nas mãos das próprias mulheres. Necessário que a mulher tome consciência de que não pode ter vergonha por atitude da qual é a única vítima.

O importante é não esquecer que a única forma de coibir a prática do crime de assédio sexual é a denúncia. É necessário desestimular sua prática, pois a ausência de punição alimenta a falta de consciência de sua ilicitude.

Não dá mais para calar!

Maria Berenice Dias

Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do Instituto

(Artigo publicado no site Universo Jurídico. Disponível em: <http://www.uj.com.br/>. Acesso em: 20 jan. 2004).



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